Um pouco da experiência de Pe Maurício da Silva Jardim
" Wetta ni Yesu orera" ( Andar com Jesus é bom). Embalado por este refrão percorri a pé junto com cinco seminaristas mais de cem quilômetros numa peregrianção que durou quinze dias, visitando quinze comunidades.
Saímos de Moma dia trinta de Dezembro levando em nossas sacolas as recomendações de Jesus aos seus discípulos. " Nada leveis pelo caminho: nem cajado, nem alforge, nem pão, nem dinheiro, nem tenhais duas túnicas" (Lc9,3).
Ao caminho fomos contagiados pelo espírito de festa do povo. De uma comunidade a outra um grande número de pessoas nos acompanharam, a maioria dos jovens que percorriam cinco, dez ou quinze quilômetros, cantando e dançando pelas vias empoeiradas ao som de muito batuque...
A pergunta que mais ouvimos trazia um ar de admiração: " Porque andar a pé se o padre tem carro?" "O que houve com o carro? Está na oficina?".
Tentava dizer algo de minhas motivações pessoais, tais como: Inspiração de Deus dentro do ano Paulino; ir ao encontro do povo e conhecer melhor a realidade. Também partilhei com eles que a idéia nasceu numa ocasião quando passava de carro por aquela estrada e vendo tantas comunidades e pessoas a pé, carregando muitas coisas pesadas em suas cabeças, me perguntei: porque não fazer a pé este caminho?
Fui pouco a pouco descobrindo que o fato de percorrer a pé estas quinze comunidades trazia consigo um forte conteúdo de evangelização... Entendi ao longo do caminho que a iniciativa primeira era do Espírito de Deus e que cada um enterpretaria de maneira diferente.
Na comunidade de Maculane um líder expressou sua posição: " Não se faz evangelização somente de carro". Um catequista disse que as longas distâncias não podem ser justificativas para se acomodar e ficar em casa esperando a solução cair do céu. Aqui no chão africano muitas vezes tenho me perguntado o que é mesmo evangelizar. Sempre ouvi que a missão da Igreja é anunciar, pregar, servir, testemunhar, dialgar e formar.
Neste caminho vivi a forte experiência de evangelizar pela presença gratuita, com meios pobres e com poucas palavras. "Estar com", visitar, ouvir, partilhar e celebrar a Eucarístia para um povo que fica mais de ano sem missa, foi o próprio conteúdo da evangelização.
No caminho até Chalaua predomina um cenário de pobreza social. Ouvimos sempre preocupações sobre a fome, a falta de condições para o estudo da juventude e carência de atendimento médico e medicamentos.
Como símblo de exploração do povo, encontramos na contra-mão uma média de dez caminhões de Chineses que diariamente carregam toneladas de madeira, Algumas áreas de Moçambique já estão desérticas, fruto do desmatamento.
Um dos pontos fortes desta caminhada foi a visita aos doentes. Acompanhados pela comunidade chegamos a casa de quarenta e seis pessoas enfermas em estado grave, a maioria sem diagnóstico, sem atendimentos ou remédios. Por isso, apelam para soluções da cultura e religião tradicional. Grande parte morre sem saber a " causa mortis". Em algumas situações pensei que seria providente que sente caminho estivesse comigo um médico e uma autoridade política. Na maioria dos casos fiquei sem resposta ou encaminhamento diante desta realidade.
Concluo com a expressão do Papa Paulo VI: " quem envangeliza, se evangeliza". Neste caminho o povo nos evangelizou, pregando o evangelho da partilha, da acolhida, do despojamento, da fé comprometida, da sede de Deus na Eucarístia, da força da comunidade, da resistência no sofrimento e da alegria no Cristo ressuscitado.
Publicado em julho de 2009 pela Vida Nova - Revista de Formação e Informação Cristã