Por ocasião do início do Ano Novo, desejo expressar os mais ardentes votos de paz a todas as comunidades cristãs, aos responsáveis das nações, aos homens e mulheres de boa vontade do mundo inteiro.
Para este XLIII Dia Mundial da Paz, escolhi o tema: SE quiseres cultivar a paz, preserva a criação. O respeito pela criação reveste-se de grande importância, designadamente porque – a criação é o princípio e o fundamento de todas as obras de Deus – e a sua salvaguarda torna-se essencial para a convivência pacífica da humanidade.
Com efeito, se são numerosos os perigos que ameaçam a paz e o autêntico desenvolvimento humano integral, devido à desumanidade do homem para com seu semelhante – guerras, conflitos internacionais e regionais, atos terroristas e violações dos direitos humanos – não são menos preocupantes os perigos que derivam do desleixo, se não mesmo do abuso, em relações à terra e aos bens naturais que Deus nos concedeu. Por isso, é indispensável que a humanidade renove e reforce “aquela aliança entre ser humano e ambiente que deve ser espelho do amor criador de Deus, de quem provimos e para quem estamos a caminho”.
...Pelo contrário, conceber a criação como dádiva de Deus à humanidade ajuda-nos a compreender a vocação e o valor do homem; na realidade, cheios de admiração, podemos proclamar com o salmista: “Quando contemplo os céus, obra das vossas mãos, a lua e as estrelas que lá colocastes que é o homem para que vos lembreis dele, o filho do homem para dele vos ocupardes?” (Sl8,4-5)
Contemplar a beleza da criação é um estímulo para reconhecer o amor do Criador; aquele amor que “move o sol e as outras estrelas”. (...) Há vinte anos, ao dedicar-me a Mensagem do Dia Mundial da Paz ao Tema Paz com Deus criador, paz com toda criação, O Papa João Paulo II chamava à atenção para a relação que nós, enquanto criaturas de Deus, temos com o universo que os circunda. “ Observa-se nos nossos dias – escrevia ele – uma consciência crescente de que a paz mundial está ameaçada (...) também pela falta do respeito devido à natureza”. E acrescentava que esta consciência ecológica “ não deve ser reprimida mas antes favorecida, de maneira que se desenvolva e vá amadurecendo até encontrar expressão adequada em programas e iniciativas concretas”...
Hoje, com o proliferar de manifestações duma crise que seria irresponsável não tomar em séria consideração, tal apelo aparece ainda mais premente. Pode-se por ventura ficar indiferente perante as problemáticas que derivam de fenômenos como as alterações climáticas, a desertificação, o deterioramento e a perda de produtividade de vastas áreas agrícolas, a poluição dos rios e dos lençóis de água, a perda da biodiversidade, o aumento das calamidades naturais, o desflorestamento das ares equatoriais e tropicais?
Como descurar o fenômeno crescente dos chamados “prófugos ambientais”, ou seja, pessoas que, por causa da degradação do ambiente onde vivem, se veem obrigadas a abandoná-las, deixando lá muitas vezes também os seus bens, tendo de enfrentar os perigos e as incógnitas de uma deslocação forçada? Como não reagir perante os conflitos, já em ato ou potencias, relacionados com acesso aos recursos naturais?
Trata-se de um conjunto de questões que têm um impacto profundo no exercício dos direitos humanos, como, por exemplo, o direito à vida, à alimentação, à saúde, ao desenvolvimento.
A humanidade tem necessidade de uma profunda renovação cultural; precisa redescobrir aqueles valores que constituem o alicerce firme sobre o qual se pode construir um futuro melhor para todos.
As situações de crise que está atravessando, de caráter econômico, alimentar, ambiental ou social, no fundo são também crises morais e estão todas interligadas. Elas obrigam a projetar de novo a estrada comum dos homens. Impõe, de maneira particular, um modo de viver marcado pela sobriedade e solidariedade, com novas regras e formas de compromisso, apostando com confiança e coragem nas experiências positivas realizadas e rejeitando decididamente as negativas. É o único modo de fazer com que a crise atual se torne uma ocasião para discernimento e nova projetação.
(...) Infelizmente temos de constatar que um grande número de pessoas, em vários países e regiões da terra, experimenta dificuldades cada vez maiores, porque muitos se descuidam ou se recusam exercer sobre o ambiente um governo responsável.
O Concílio Ecumênico Vaticano II lembrou que “Deus destinou a terra com tudo o que ela contém para uso de todos os homens e povos”. Por isso, a herança da criação pertence à humanidade inteira.
Entretanto o ritmo atual de exploração põe seriamente em perigo a disponibilidade de alguns recursos naturais não só para a geração atual, mas, sobretudo para as gerações futuras...
(...) É necessário também que a atividade econômica seja mais respeitadora do ambiente. Quando se lança mão dos recursos naturais, é preciso preocupar-se com a sua preservação prevendo também os seus custos em termos ambientais e sociais, que se devem contabilizar como uma parcela essencial da atividade econômica.
Compete à comunidade internacional e aos governos nacionais dar os justos sinais para contrastar de modo eficaz, no uso do ambiente, as modalidades que resultem danosas para o mesmo. Para proteger o ambiente e tutelar os recursos e o clima é preciso, por um lado, agir no respeito de normas bem definidas mesmo do ponto de vista jurídico e econômico e, por outro, ter em conta a solidariedade devida a quantos habitam nas regiões mais pobres da terra às gerações futuras...
Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação. A busca da paz por parte de todos os homens de boa vontade será sem dúvida alguma, facilitada pelo reconhecimento comum da relação indivisível que existe entre Deus, os seres humanos e a criação inteira. Os cristãos, iluminados pela Revelação Divina e seguindo a Tradição da Igreja, prestam a sua própria contribuição. Consideram o cosmos e as suas maravilhas à luz da obra criadora do Pai e redentora de Cristo, que, pela sua morte e ressurreição, reconciliou com Deus “todas as criaturas, na terra e nos céus” Cl1,20).
Cristo Crucificado e Ressuscitado concedeu à humanidade o dom do seu Espírito santificador, que guia o caminho da história à espera daquele dia em que, com o regresso glorioso do Senhor, serão inaugurados “novos céus e uma nova terra” (2Pd3,13), onde habitarão a justiça e a paz para sempre. Assim, proteger o ambiente natural para construir um mundo de paz é dever de toda a pessoa.
Trata-se de um desafio urgente que se há de enfrentar com renovado e concorde empenho; é uma oportunidade providencial para entregar às novas gerações a perspectivas de um futuro melhor para todos.
Disto mesmo estejam cientes os responsáveis das nações e quantos, nos diversos níveis, têm a peito a sorte da humanidade: a salvaguarda da criação e realização da paz são realidades intimamente ligadas entre si.
Por isso, convido todos os crentes a elevarem a Deus, Criador Onipotente e Pai misericordioso, a sua oração fervorosa, para que no coração de cada homem e de cada mulher ressoe, seja acolhido e vivido o premente apelo: Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação.
BENEDICTUS PP. XVI
Fonte Revista Vida Nova